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Robert Muggah: “Há fortes evidências de que mais armas resultam em mais violência”

Rodrigo Caetano

O Brasil é um dos cinco maiores exportadores de armas leves do mundo. Apesar da posição relevante no setor, esse é um mercado relativamente pequeno para o País. Estima-se que as exportações brasileiras somem, por ano, cerca de US$ 500 milhões em rifles, pistolas, munições e armamentos não letais.

Não obstante, o lobby da indústria armamentista no Congresso é forte e tem conseguido algumas vitórias, como subsídios e afrouxamento das regulamentações. Para o canadense Robert Muggah, diretor de pesquisas do Instituto Igarapé, organização dedicada ao estudo da violência, esse é um caminho perigoso.

“Há fortes evidências de que mais armas resultam em mais violência”, diz Muggah, um dos maiores especialistas no mercado bélico, do mundo. A força política dessa indústria vem de um intenso financiamento de candidatos, que chegou a US$ 500 mil nas eleições de 2014.

Ao mesmo tempo, a possibilidade de receber investimentos de empresas estrangeiras de armas tem atraído as atenções de Estados, como Goiás. “Toda arma começa sua vida útil de forma legal. Em algum ponto da cadeia, elas são desviadas e vão parar no mercado ilegal”, afirma Muggah. Mais transparência e controle pode evitar que isso aconteça.

Confira a entrevista:

IstoÉ Dinnheiro – Qual é o papel do Brasil no mercado global de armamentos?

Robert Muggah – Armas são um grande negócio e o Brasil tem mercados interessantes globalmente. Se você olhar para os dados de exportações, verá que, desde o ano 2000, o Brasil vendeu armamentos para mais de 100 países, incluindo os Estados Unidos, boa parte do Leste Europeu e mais de 30 países da África.

É interessante notar que o País enxerga a indústria armamentista como estratégica e promove o seu crescimento. Tem havido esforços para a assinatura de acordos comerciais no setor e de parcerias para a produção em solo brasileiro, como no caso do caça Gripen, dos mísseis da Avibras, entre outros. E com subsídios do BNDES. Agora, o Brasil precisa de mais transparência no comércio de armas.

O que configura essa falta de transparência?

Muggah – É difícil ter clara noção do tamanho desse negócio no Brasil. Não há informações sobre o que é produzido ou exportado. As autoridades não exigem relatórios muito precisos, então, Taurus e CBC, as maiores fabricantes de armas e munições brasileiras, muitas vezes não informam quem são seus clientes.

Qual é o potencial desse mercado para o Brasil?

Muggah – Na última década, o Brasil tem ficado entre os cinco maiores exportadores de armas leves do mundo. Isso se deve muito à Taurus, que, embora sofrendo alguns reveses, continua aumentando sua produção, tendo como seu maior mercado os Estados Unidos.

Em relação a outros produtos militares, o País tem se mantido entre os 30 maiores exportadores, sendo mais conhecido nos segmentos de aeronaves, veículos leves e lançadores de foguetes. Nesses segmentos, o Brasil não chega a ser um grande fornecedor, mas não é irrelevante. Vale notar que houve um grande esforço em montar essa capacidade durante a ditadura, mas também durante o governo do PT.

Em termos de política externa, o Brasil utiliza sua indústria armamentista para fazer acordos mais abrangentes?

Muggah – Essa foi uma expectativa das administrações anteriores, particularmente no governo Lula. A ideia era levar esse conhecimento brasileiro para outros países, notadamente do Cone Sul. Acredito que a esperança era de, com o setor de defesa, facilitar as negociações em outras áreas, como construção e mineração.

Em especial na África, onde o Brasil tem instalações militares na Namíbia e em Cabo Verde, realiza uma série de exercícios e faz parcerias para pesquisa e desenvolvimento. Por exemplo, há um míssil sendo desenvolvido pela Avibras em parceria com a África do Sul.

Há, também, acordos com a França para desenvolver submarinos, um deles nuclear, além do Gripen. Mas isso é em termos de armamentos pesados. No campo das armas leves, o Brasil é conhecido pela facilidade em se negociar, pois não exige os mesmo níveis de conformidade com os direitos humanos do que outras nações.

Nesse âmbito, não há ambições de parcerias mais abrangentes, já que são produtos de baixo valor agregado. Agora, francamente, se o Brasil parar de exportar armas leves amanhã, será facilmente substituído por outro fornecedor.

E trata-se de um mercado pequeno. O Brasil comercializa cerca de US$ 500 milhões por ano em armas leves, ainda que seja um dos cinco maiores exportadores.

Apesar de ser um negócio pequeno em termos de exportações, comparando com setores como indústria e agronegócio, o lobby do setor armamentista é forte. Por que?

Muggah – Parte disso se deve ao fato de que há um número relevante de políticos que falam em nome das empresas de armas. Na última eleição, cerca de 30 candidatos ao congresso receberam um total de US$ 530 mil em financiamento de fabricantes de armas, sendo que 21 foram eleitos. A CBC, sozinha, doou US$ 200 mil para 16 candidatos. O que eles buscam é um ambiente favorável, tanto para exportações, quanto para o mercado doméstico.

É a chamada bancada da bala…

Muggah – Sim. Essa bancada tem interesse em expandir o consumo local e aumentar os subsídios para a indústria. Eles têm tido algum sucesso, nos últimos tempos. A Taurus e algumas outras companhias receberam subsídios, na forma de créditos do BNDES, por exemplo.

No campo da política externa, a bancada da bala tem sido bem sucedida em impedir que o Brasil participe de tratados internacionais. Em 2013, o País assinou o Tratado sobre Comércio de Armas (acordo que regula o comércio mundial de armas convencionais, ratificado por 50 países e em vigor desde 2014). Sua ratificação, no entanto, está parada no Congresso.

Mais recentemente, surgiu no Brasil uma tendência de conectar a posse de armas com liberdades individuais. Isso é algo novo por aqui, onde a posse é considerada um privilégio, não um direito constitucional, como nos Estados Unidos. Agora, claramente há interesses econômicos por trás disso.

Empresas estrangeiras têm procurado entrar no mercado brasileiro. A austríaca Glock fez várias tentativas. Mais recentemente, a Caracal, dos Emirados Árabes, firmou um acordo com o Estado de Goiás para construir uma fábrica. O que elas veem no Brasil? Ao mesmo tempo, a bancada da bala é financiada por empresas como a CBC, que tem o governo brasileiro como acionista. Isso pode gerar conflitos?

Muggah – Acredito que sim. A bancada da bala tem, naturalmente, instintos de proteção nacionalistas. Uma das questões é que o Brasil está estimulando investimentos estrangeiros, num momento em que o País passa por uma crise econômica.

Mas há outro fator, que considero interessante, que é certa frustração com produtos nacionais, especialmente da Taurus. Alguns Estados reclamaram que as armas da empresa eram inferiores e houve casos de disparos acidentais. Isso criou um movimento a favor da importação de produtos, ou da criação de um ambiente favorável a empresas estrangeiras se instalarem no País.

O sr. disse que o Brasil é visto como uma país onde é mais fácil negociar armas. Essas empresas estrangeiras podem estar interessadas em usar o País para atingir mercados que atualmente não conseguem?

Muggah – É possível. Há outros motivos para o interesse delas, como o fato de o País já ter uma capacidade instalada para fabricação. Mas a Caracal vê no Brasil uma possibilidade de exportar para outros países na América Latina. O problema está no baixo nível de transparência.

Quando o Brasil vende armas para mercados estrangeiros, não há um sistema robusto que garanta que a entrega foi feita ao destinatário certo. Como consequência, armas brasileiras acabam aparecendo em zonas de conflito. Agora, é interessante como o Brasil, que sempre se mostrou protecionista, vem permitindo e incentivando a chegada de novos competidores.

No caso da Caracal, trata-se de uma iniciativa do governo de Goiás…

De alguma forma, acredito que é uma resposta à baixa qualidade do produto nacional. Isso deve mexer com o mercado.

Sobre o mercado ilegal de armas: como rifles e pistolas vão parar nas mãos de bandidos?

Muggah – Existem alguns caminhos. O primeiro são as chamadas sobras de conflitos. É um número relativamente pequeno, mas relevante. Uma boa parte dos AK-47 em circulação no mercado negro foi utilizada em conflitos há 30 ou 40 anos.

Outro caminho são as pessoas que compram armas legalmente, nos Estados Unidos ou outros lugares, e as vendem no mercado negro. A grande maioria das armas compradas pelo crime organizado no México e na América Central vem dos Estados Unidos. Elas são adquiridas, inicialmente, de forma legal. Existem 64 mil lojas de armas nos EUA, mais do que Starbucks.

No México, só existe uma loja de armas. Então, obviamente, há uma demanda que está sendo atendida por empresas americanas. Nossa estimativa é de que mais de 200 mil armas cruzem a fronteira, por ano. Um terceiro caminho são os desvios de estoques militares e policiais. Esse é um grande problema na América Central e do Sul. Por último, existem os grandes traficantes de armas, que movimentam contêineres por todo o mundo.

E qual é a origem dessas armas?

Muggah – Toda arma começa sua vida útil de forma legal, produzida por algum fabricante legítimo. Em algum ponto da cadeia, elas são desviadas e vão parar no mercado ilegal. Não é incomum fabricantes perderem de vista lotes inteiros.

Mais transparência pode evitar que essas armas caiam nas mãos do crime?

Muggah – Certamente. Existem esforços para melhorar a marcação e o rastreamento de armas. Qualquer produto tem algum tipo de número de série. Na maioria das indústrias, esse código é padronizado. No mercado de armas, no entanto, há uma resistência em criar padrões.

O motivo para isso é a possibilidade de litigação, no caso de o produto cair em mãos erradas. É extraordinário pensar nisso. Televisões, carros, escovas de dente, enfim, quase tudo pode ser rastreado. Armas não. Até foram criados sistemas de marcação embutidos, ou mesmo dispositivos de biometria, que bloqueiam outras pessoas, que não o dono, de usar a arma. Mas a resistência das fabricantes, incluindo as brasileiras, é enorme. É um aspecto muito frustrante.

Como a política irrestrita de venda de armas dos EUA afeta a América Latina?

Muggah – Historicamente, a América Latina, o Brasil inclusive, é um grande cliente dos americanos. Vemos armas compradas legalmente nos EUA indo parar no México e na América Central. Agora, sem querer amenizar o impacto que o mercado americano tem no mundo, acredito que subestimamos outras fontes de fornecimento, em especial os desvios de estoques militares e policiais.

Há também a questão das empresas de segurança privada. Na América Latina, para cada policial, há dois seguranças particulares. Trata-se de um mercado enorme, que não é bem regulado. Ao mesmo tempo, vários países latino-americanos estão produzindo. É o caso do Brasil, da Colômbia e, também, da Venezuela, que fabrica AK-47. No fundo, apesar de não estar errado, é conveniente apontar o dedo para os EUA.

Agora, há a questão da liberdade individual e do direito de se defender. Podemos considerar que, se tivermos mais armas nas mãos das pessoas certas, estaremos mais seguros?

Muggah – Esse é a posição de grupos como a National Rifle Association (associação americana que defende a indústria armamentista). Todo mundo tem a necessidade e o direito de se proteger. A questão é: se armar é a maneira mais eficiente de se defender? As evidências não mostram isso. A maioria dos crimes violentos na América do Norte, e, de certa maneira, também no Brasil, envolve parceiros íntimos. Homens matando mulheres.

Nos EUA, a maior parte das mortes por arma de fogo é resultado de crimes passionais ou suicídios. Estatisticamente, é mais provável morrer em uma briga ou por suicídio do que num assalto. Ao mesmo tempo, ter uma arma em casa aumenta em até dez vezes as chances de ser morto por um bandido.

A presença da arma amplia a chance de um encontro violento, que geralmente resulta na morte do dono dela. Há fortes evidências de que mais armas resultam em mais violência. Não estou argumentando que devemos nos livrar totalmente das armas. No Brasil, hoje, isso seria impossível. Agora, precisamos balancear seu uso legítimo com o dano social que elas causam. Para isso, é preciso mais regulação.

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